Bob Luiz Botelho
4 min readJan 19, 2021

Eu não estou no caminho certo!

Pensa só comigo, eu já passei dos 25 anos e meu INSS não tem nem 1 ano inteiro de contribuição. Minha carteira de trabalho só foi assinada uma única vez e por 45 dias. Ainda sequer entrei no mestrado.

Depois dos 25 esse é o tipo de crise e questionamento que começo a ter e tudo isso é legítimo e tem um lugar importantíssimo no Cuidado Integral do Missionário que tanto falamos por aí. Conheço gente que tá com mais de 60 e ainda segue com a angústia de saber se no mês que vem vai conseguir pagar o aluguel e ter o que comer. Gente que dedicou a vida toda pela causa do evangelho de Cristo, mas que se recusou a aderir ao CIStema religioso dominado pela maldade, opressão e exclusão. Gente que paga o preço de não reproduzir essa teologia que vende fácil, mercantilizada que virou ‘business’ na mão de muita gente

Isso não significa que sou amador. Minha profissão é muito séria, ainda que seja maluca e eu sou um profissional, ainda que sem resultados financeiros incríveis.

Entenda que eu empenhei o meu vigor pra poder fazer aquela "fala marcante" numa mesa da OEA (Organização dos Estados Americanos) e que aquilo lá é muito mais do que apenas 10min. São anos estudando, lendo, escrevendo, me formando e informando, fazendo reunião, respondendo email, analisando planilha. Aquela vez que eu fui o primeiro lgbt naquele evento evangélico da América Latina, lembra? Que eu palestrei numa mesa. Então, também custou chegar até lá.

Pra garantir que a linguagem do texto que você leu, do podcast que você ouviu, ou do vídeo que você assistiu tá acessível sem perder qualidade do conteúdo, foi necessário ler e traduzir aquela tese de doutorado difícil de compreender. Tive que ler aquele livro difícil em português, inglês e espanhol pra comparar os termos.

Levo tempo estudando o que palestro, escrevendo o que vocês leem e me preparando pra cada atendimento que presto.

Em tempos de "governo terrivelmente evangélico", sei da importância política e social do meu trabalho. A religião, tal qual a arte, se justifica em si mesma, mas o contexto atual impõe debates importantes pro ofício do teólogo.

Negar que quem me sustenta é Deus? De jeito nenhum! Muito pelo contrário. É justamente por não me fazer negligente com o dom que há em mim que eu leio, estudo, me preparo. Você sabia que aconselhamento pastoral tem referencial teórico, metodologia de prática e diferentes formas de manejo? A gente lê, estuda e se informa pra poder fazer daquele momento de whatsapp, daquela ligação ou chamada de vídeo um momento precioso, frutífero e eficaz pra quem divide coisas tão importantes com a gente no setting.

Mas e aí, por que eu insisto nessa profissão? Porque eu insisto nessa carreira?

Inclusive, é justamente por não negar que o que eu faço vem da parte de Deus que o meu sistema de remuneração é diferente do sistema capitalista. Mesmo levando a sério a minha profissão e me esforçando pra manter a melhor qualidade no meu trabalho, mesmo sabendo que a minha entrega é boa e tem qualidade, a forma como eu sou remunerado é uma forma que faz com que talvez aos 60 eu esteja como meus colegas. Sabe, isso dá muito medo e talvez seja por isso que eu busque construir novas metodologias, novas fronteiras e outros caminhos.

É por isso que vez ou outra eu preciso me forçar a parar de me dedicar integralmente ao que eu sei fazer e correr atrás de outras formas de manutenção de renda. É como aquelas pessoas que são formadas em Engenharia, mas que fazem Uber pra complementar, sabe? Faz parte da minha profissão, mas também da realidade de muita gente.

Acho que, nesse caso, o que tá em jogo aqui é o fato de que a gente vive esse equilíbrio. Já disse isso uma vez no meu blog e volto a repetir aqui: "Entre os pés no chão e a cabeça nas nuvens, exercito minha flexibilidade para PERMANE(SER) vivo, autêntico e autônomo sobre mim e meus processos." E sabe, tá tudo bem. Essa é a vida de boa parte da população brasileira no cenário atual.

Porque no fim das contas, ser esse "reverendo rebelde" que pastoreia quem a igreja não quer e tem esse estilo maluco de vida missionária é o que me move a não desistir de viver.

A vida por si só já é razão suficiente para ser vivida e não dependo do ministério pra existir. Não acho que o que eu faço é mais ou menos importante do que qualquer outra profissão. Vendedor, jornalista, psicólogo, recepcionista de hospital, filósofo, babá, comissário de bordo. Tudo isso é relevante e transformador quando você se vê inteiro.

Tem quem consiga fazer da sua profissão uma forma de realização existencial e de materialização daquilo que se acredita ser a vocação. Já há outras pessoas que fazem do seu trabalho remunerado apenas uma forma de subsistir, existir e financiar seus sonhos e projetos, os quais são dedicados após bater o cartão de fim de expediente na firma.

Aprendi com uma pastora, colega de ministério e grande amiga minha (Pra. Lívia de Carvalho de Osasco, SP) que assim como não existe forma certa de lavar louça (tem os que começam pelas panelas e tem quem deixe a panela pro final) ou varrer uma casa, também não há forma certa ou errada de viver a liberdade em Cristo. Ela é o que é e cada pessoa vai experimentar isso de uma forma.

Comecei esse texto falando que não estou no caminho certo. E realmente, não estou! Estou no caminho. No meu caminho! Sem romantizar minhas decisões, sem achar que "sustento de Deus" é desculpa pra não fazer meu corres e sem fechar os olhos pros privilégios que me trouxeram até aqui.

E você, qual seu caminho?

Bob Luiz Botelho

Missionário por motivos de força maior. Reverendo e pastor na Iglesia Antigua de Las Américas (IADLA-Brasil). Fundador do Evangélicxs Pela Diversidade