Mês do Orgulho na Sociedade do Espetáculo!

Bob Luiz Botelho
8 min readJun 13, 2022

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FONTE: https://vermelho.org.br/2017/08/18/para-compreender-a-sociedade-do-espetaculo/

Se você leu o título desse texto você já sabe sobre o que ele vai tratar e talvez até já saiba quais as reflexões que serão trazidas nas próximas linhas. Quero de antemão te decepcionar e dizer que talvez o desfecho seja diferente do que você espera. Embora o título já seja por si só um grande spoiler, vou dedicar um parágrafo a fazer uma introdução sobre os temas do mês do Orgulho LGBTI+ e uma introdução ao tema proposto por Guy Debord, sobre a Sociedade do Espetáculo.

O Mês do Orgulho LGBTI+ acontece todo durante junho de cada ano onde organizações se dedicam a falar sobre o tema da Diversidade Sexual e de Gênero, por conta do dia 28 de Junho onde é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+. Em 1969, nesta data, ‘pessoas queer’ se manifestaram em um bar de Nova York contra as opressões, repressões e violências que sofriam de policiais enquanto se reuniam. Esse evento é chamado de “Revolta de Stonewall” e desde então todo ano, nesta data, pessoas LGBTI+ saem às ruas para reivindicar direitos. Aqui no Brasil acontecem, durante o mês de junho as chamadas “Paradas do Orgulho LGBTI+” ou “Paradas da Diversidade” nas quais reivindicam-se direitos e garantias de segurança. O Brasil é o país que mais mata pessoas Trans no mundo, matando mais do que em países onde ser LGBTI+ é considerado crime. Esse dado por si demonstra um trabalho árduo a ser desenvolvido, mas ele piora com outra informação paradoxal. Segundo o relatório emitido por empresas de sites de conteúdos adultos, o Brasil é o país que mais consome vídeos com conteúdo de pessoas Trans no mundo. É o país que mais procura sobre esse assunto, nas buscas, é o país que mais produz conteúdo e o que tem o maior tempo de duração de “play” a esse tipo de tema.

Muito antes da internet existir, em 1967, o escritor Guy Debord escreveu uma obra com o título “A Sociedade do Espetáculo” na qual faz uma crítica ao consumo e ao fenômeno que ele chama de “espetacularização da sociedade”. Segundo o texto, a vida em sociedade e o ser comunidade passou a ser vendido como um espetáculo a ser consumido e esse desejo de tornar tudo um “grande espetáculo/show” faz com que as pessoas estejam perdendo os vínculos legítimos e passando a construir relações a partir da necessidade de exibir sua maneira de ser no mundo.

No mês do Orgulho LGBTI+ é comum ver a maior parte das organizações, marcas e empresas colocarem cores do arco-íris em suas logos e promoverem algum tipo de publicidade afirmando algum apoio sobre o tema da diversidade sexual e de gênero. Mas o que isso tem a ver com os dados mencionados a respeito do Brasil?

Bom, a discrepância entre a violência dos corpos Trans no espaço público e o acesso aos corpos Trans no íntimo e no privado ressalta um fenômeno pouco explorado pela própria mídia de publicidade das empresas que colocam arco-íris em suas logos: a contradição entre o que se vive no público e o que se faz no privado. Muitas vezes, o que aparece no público nem sempre reflete a realidade da porta pra dentro. E se isso acontece no tema da violência, o inverso também acontece em muitas organizações que colorem suas logo. Infelizmente a quantidade de empresas que não tem nenhuma representatividade LGBTI+ em posições de lideranças e que também não tem nenhuma pessoa Trans contratada (mesmo com suas logomarcas com arco-íris) é uma realidade mais comum do que se espera.

Aqui na APOIA.se, campanhas de doação pontual ou até de doações recorrentes nas quais o foco do trabalho seja a comunidade LGBTI são diversas. Minha própria campanha, http://apoia.se/mundodebob , que tem o objetivo de permitir que eu continue desenvolvendo meus trabalhos de Advocacy na ONU e na OEA, com Direitos Humanos e Religião é um exemplo. Ser um Pastor Evangélico Gay e que defende os direitos da minha comunidade fez com que eu atraísse os mais diversos olhares, que vão desde a admiração até o ódio. Na APOIA.se, o apoio da equipe institucional para que a campanha seja um sucesso acontece com as reuniões recorrentes que tenho com as squads que acompanham meu trabalho e minha campanha. É importante lembrar que a APOIA.se é uma plataforma que proporciona a oportunidade de que projetos coletivos sejam apoiados por pessoas que acreditam nesses projetos. O dinheiro não vem da APOIA.se, mas sim de outras pessoas que usam a plataforma como meio para poder colorir suas tags e postar em junho “Eu Apoio a Causa LGBTI+”.

No fim das contas, jogar com o Espetáculo que transforma uma causa tão séria em uma mercadoria ou publicidade é uma realidade na qual precisamos encarar com coragem e saber, a partir dela, construir espaços seguros e maneiras saudáveis de lidar com esse sistema. Glória Groove, uma grande artista da comunidade LGBTI+, demonstra muita sabedoria e criatividade nesse debate, quando, por exemplo, lançou a música “Leilão” cujo clipe cria um imaginário de o que o que está sendo leiloado e está “em jogo”, são relações humanas e o próprio espetáculo da cena LGBTI+. Glória supera o discurso raso de “transformar limões em limonadas” e faz da crítica a essa contradição uma forma de tornar a luta LGBTI+ mais sustentável.

Costumo dizer que o equilíbrio é bambo e que ele acontece na tensão e no movimento, sempre usando como exemplo o equilibrista do circo. Ao andar pela corda bamba, é importante que a corda esteja o mais tensionada possível e quando falo de tensão me refiro às forças contrárias de mesma intensidade e sentidos opostos.

No fim das contas, o equilíbrio acontece com as contradições das forças que honram o movimento de Stonewall como algo político e homenageiam os corpos que vieram antes de nós e que foram expostos a violências inimagináveis e das forças que fazem a pauta LGBTI+ se tornar apenas um atrativo comercial para que o lucro seja maior no mês de junho. Essa tensão é a corda pela qual nós, pessoas LGBTI+ com projetos de impacto social teremos que aprender andar e para que possamos ter sucesso na jornada precisaremos lembrar que o importante é o movimento que fazemos em cima desse “bambear”.

Dar passos, ainda que pareçam bambos, demonstra mais equilíbrio do que ficar na plataforma discutindo as tensões e forças que atuam sobre a corda. Se você é uma pessoa LGBTI+ e está pensando em começar algum projeto de impacto nessa área, quero encorajar você a começar. Mesmo em meio a dúvidas e crises vocacionais, mova-se! Enquanto caminha, você se equilibra, como quem anda de bicicleta. Nenhum equilibrista anda na corda sem bambear e inclusive esses artistas nem se propõem a esconder ou disfarçar que o andar equilibrado é bambo.

Em 10 anos de atuação com Direitos Humanos e quase 7 anos de caminhada por apoio recorrente (antes intermediada de outras formas que não a APOIA.se), ainda estou distante de alcançar a primeira e mais básica meta para a sustentabilidade do meu projeto. Mesmo assim, persisto em caminhar, ainda que em alguns momentos meu andar seja trôpego. Quando entrei na APOIA.se eu lembro de ficar 3 meses com menos de 180,00 reais recorrentes. Estar na ONU, produzir Podcast, dar cursos online… nada disso pareceu suficiente para que eu alcançasse apoio recorrente. Hoje, com quase 500,00 recorrentes na APOIA.se (que representa 14,1% da minha primeira meta), me sinto contemplado pela canção de Anavitória que diz:

Meu caminho é novo, mas meu povo não
Meu coração de fogo vem do coração do meu país
Meu caminho é novo, mas meu povo não
O norte é a minha seta, o meu eixo, a minha raiz
E quando eu canto cor
E quando eu grito cor
E quando eu espalho cor
Eu conto a minha história
(Amarelo, Azul e Branco; Anavitória)

Meu convite a você, que não é LGBTI+ e está lendo esse texto, é para revisar e avaliar quais são as contradições desse tema que perpassam seu corpo, suas ações e que nesse mês de junho se tornam mais evidentes. Precisamos do apoio de vocês de várias formas e cada ação a nosso favor que vocês tomarem é um ponto a mais contra a LGBTIfobia. Sei que para que algumas pessoas exerçam poder e ocupem espaços, é necessário que outras abdiquem dos seus lugares de privilégio. Nosso convite é para que você olhe para dentro de si e ao seu redor e pense “o que tenho feito para reduzir a LGBTIfobia ao meu redor?”. Talvez você não mude o mundo todo, mas mude o mundo de alguém que está presente hoje, aqui e agora, no seu mundo próximo.

Quanto a nós, comunidade LGBTI+, sejamos benevolentes e estendamos nossa compreensão num exercício de flexibilidade que nos permita entender as contradições desse tempo. Infelizmente, Guy Debord nem imaginava que um dia a internet existiria, mas previu com uma certa precisão que o sistema tornaria tudo uma grande busca por like. Aprender a jogar esse jogo envolve uma série de crises éticas e manejos de posturas, mas meu convite é para que a gente se lembre que, esse mesmo país que produz tanta violência contra nossos corpos, hoje é o país com a Maior Parada do Orgulho LGBTI+ de todo o mundo e que isso é um importante espaço de conquistas de direitos e clamor por nossas vidas, nossos corpos e nossa liberdade. Ainda que em um terreno de contradições e com discussões que precisamos manter perto de nossas rodas, lembremos que se a Sociedade atual é um grande espetáculo, não permitiremos que tirem nosso lugar de protagonistas dessa história.

Feliz mês do Orgulho!

Acesse: https://apoia.se/mundodebob e cadastre um apoio recorrente a partir de 5,00 reias mensais.

SOBRE O AUTOR:
Bob Luiz Botelho é Co-fundador e Coordenador Executivo Geral do Evangélicxs Pela Diversidade, a primeira iniciativa baseada na fé de enfrentamento ao fundamentalismo religioso contra pessoas LGBTI+ na América Latina. Através da Coalizão Religiões, Crenças e Espiritualidades em Diálogo com a Sociedade Civil, tem participado de fóruns internacionais, incluindo a OEA. Foi o líder mais jovem da coalizão na Assembleia Geral da OEA 2019. Pelo Evangélicxs, também participa do Fórum Econômico Social Mundial da ONU (Youth Forum ECOSOC — UN) em um Grupo de Trabalho. Missionário há mais de 10 anos, homem gay, tem formação em missiologia e teologia pastoral. Acadêmico de Geografia na UFPR e defendeu seu TCC do Bacharelado na área de Geografia da Religião, pesquisando trânsito de gays e lésbicas evangélicos. Integra a equipe da Global Interfaith Network. Produtor cultural (com registro profissional — DRT), trabalhou com companhias profissionais de dança e em equipes de grupos de grandes festivais, como o Festival de Dança de Joinville. Trabalhou como Produtor Cultural do Festival Reimaginar 2018. Escritor e poeta, é autor de artigos publicados em diversos livros e revistas, além de ser parecerista e crítico literário de vários editoriais LGBTs na América Latina.

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Bob Luiz Botelho

Missionário por motivos de força maior. Reverendo e pastor na Iglesia Antigua de Las Américas (IADLA-Brasil). Fundador do Evangélicxs Pela Diversidade