NÃO EM MEU NOME, ESTE É O GAY QUE VOS FALA!

Bob Luiz Botelho
5 min readJul 7, 2023

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Uma quantidade considerável de amigos, especialmente os cis-heterossexuais, apresentou como proposta de análise a tudo o que o André Valadão tem falado e feito contra a comunidade LGBTI+ a possibilidade de ele estar trazendo pra fora conflitos que existem dentro dele. Inclusive reivindicações da própria psicanálise, naquela máxima de que “Quando João fala de Lucas sei mais de João do que de Lucas”.

Entretanto, há algumas considerações que eu julgo fundamentais pra que não acabe colocando em cima da própria comunidade LGBTI+, ainda que inconscientemente, a culpa sobre toda a violência que nós temos sofrido e também convidar a cis-heterossexualidade a assumir as rédeas como pessoas aliadas da linha de frente na luta contra os ataques que chegam até nós sem tentarem se eximir dessa discussão.

A primeira coisa que é importante deixar registrado é que afirmar que violência e discurso de ódio contra pessoas LGBTI+ são reflexo de falta de aceitação é transferir a culpa e responsabilidade que a cis-heterossexualidade tem na violência que nós, comunidade LGBTI+, sofremos! Percebe que o André não fala sobre todas essas coisas no púlpito porque ele é enrustido, mas porque ser um homem rico, branco, cis-hétero, pastor, lhe confere PODER PARA FALAR ISSO!! Independente de QUALQUER possível conjectura que se fale e faça sobre a identidade e intimidade dele, ele fala o que fala porque ele está numa posição de poder e sobrevalência que o principado e a postesade do patriarcado cis-heterossexual confere a ele!

De maneira apenas e tão somente elucidativa, imagine que o André Valadão estivesse proferindo ofensas racistas e no lugar da comunidade LGBTI+ ele estivesse falando sobre a comunidade de pessoas negras… Que tipo de reação a gente, como branquitude, deveria ter diante dessa fala? Será que dizer que “o André, na verdade, não se aceita como pardo” é um bom argumento pra tentar justificar as violências dele?

É importante lembrar que até agora não se teve nenhuma prova, nenhum exposed, nenhum print nem nada do André Valadão sobre ele ser Gay, Bi, Trans ou até mesmo alguma prova efetiva de que em algum momento ele tenha tido algum tipo de relação ou experiência sexual LGBTI+. Existem especulações, fofocas, mas nada além disso e é importante demais perceber que insinuar justificativa de tudo o que ele tem verborrajado como uma luta interna dele é desmerecer a importância do debate sobre religião, liberdade religiosa e LGBTfobia.

Meu ponto de discussão aqui é que eu realmente não me importo se o André é ou teve alguma relação não cis-héterossexual ao longo da vida dele, porque o André não é INOCENTE! Eu sempre falo sobre a dor e violência que eu gerei nas pessoas que, lá em 2013–2015, quando o acesso a informação sobre esse tema era escasso e eu estava dentro do armário lutando contra minha culpa e JAMAIS usei o argumento de “eu estava sofrendo” para passar pano ou justificar as inúmeras violências que eu promovi contra muita gente. Assim como nunca usei o meu diagnóstico de esquizofrenia para dizer “eu estava em surto, desculpa”. Violência é violência! O que diremos agora, 2023, com os inúmeros avanços nas discussões de gênero e sexualidade, as várias oportunidades que a mídia tem oferecido de aprimorar esse debate, os incontáveis fóruns, inclusive TEOLÓGICOS, onde as pessoas podem procurar e ter acesso a conteúdo de qualidade. Ainda que daqui duas semanas surja alguma notícia comprovada que relacione a experiência sexual do André com a comunidade LGBTI+ isso não justifica NADA!

NÃO! Como homem gay eu NÃO ADMITO que essa culpa e responsabilidade pelos atos do André Valadão sejam colocadas em cima de mim e nem da minha comunidade! Por isso é fundamental que a gente compreenda que o papel da comunidade cis-heterossexual aliada não é de tentar achar justificativas para TODOS OS CRIMES que o André Valadão cometeu durante o mês do orgulho, mas sim de se colocarem como linha de frente porque eu mesmo estou exausto de sofrer ameaças de morte e violência e completamente cansado de ficar sendo didático, pedagógico, dando curso, palestra e aula pra educar a comunidade que se chama ‘aliada’ pra depois ter que mitigar os danos que os equívocos irresponsáveis de vocês geram.

93% dos meus apoiadores financeiros são pessoas da comunidade LGBTI+, as pessoas que me apoiaram pra conseguir chegar na ONU foram massiva e majoritariamente da comunidade LGBTI+ e muita gente aliada que me conhece e tem convivência próxima comigo fez texto de lacração que rendeu um monte de like, mas com conteúdos extremamente equivocados e sem se prestarem sequer a perguntar pra nós, especialistas, estudiosos e corpos LGBTI+ sobre quais análises a gente poderia oferecer sobre esse caso, então, querida comunidade “Aliada”, saibam que nós, população LGBTI+ estamos esperando mais do que o post lacração de vocês para apoiar nossas vidas e nossos ministério porque tem sido cada vez mais evidente que a comunidade “aliada” estabeleceu um pacto de usurpação do protagonismo e invisibilização das nossas ações e nossos repertorios teóricos, acadêmicos e vivenciais na construção de suas ações egocêntricas sobre nossa vida, nossa luta, nosso ministério e nossa pauta.

No fim das contas, a ação psicanalítica que eu proponho é pra vocês próprios! Quando vocês, cis-héteros falam sobre o André Valadão ser um LGBTI+ enrustido, sei mais sobre vocês do que sobre o André Valadão em si. Sei mais sobre a culpa e responsabilidades que vocês querem extirpar de vocês próprios, do que sobre o André Valadão e sei mais sobre o pacto narcísico que vocês firmaram entre vocês pra falar sobre nós do que sobre qualquer coisa do André Valadão.

Ser cordão de apoio e defesa da população LGBTI+ diante do que tem acontecido é dizer que vai pra cima de quem tentar nos matar e entender o ponto da discussão NÃO É SOBRE O ANDRÉ! A Cis-Heterossexualidade conseguiu transformar e reduzir a discussão sobre LGBTfobia no Brasil em especulações sobre a sexualidade de um homem que é rico, mora em Orlando e não liga pra absolutamente NADA do que a gente fale ou especule sobre ele!

Parabéns!

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Bob Luiz Botelho

Missionário por motivos de força maior. Reverendo e pastor na Iglesia Antigua de Las Américas (IADLA-Brasil). Fundador do Evangélicxs Pela Diversidade